19.8.05
Os Candidatos do Nosso Descontentamento
A recente entrada de Mário Soares na pré-campanha para as Presidenciais de 2006 surge-me ainda no entendimento como coisa algo estranha.
Tido como animal político, por excelência, dirão alguns que foi esta sua funda natureza que o moveu a apresentar-se de novo a candidato à função presidencial. Alvitrarão outros que tal se deverá antes à força de impacientes grupos de interesses da vasta família soarista desejosa de regressar à ribalta política.
Estes factores aliados à conhecida narcísica vaidade de Soares terão certamente ditado a despropositada candidatura, dado que não se vislumbra nenhum movimento social no País que o queira fazer outra vez Presidente da República.
Seja qual for a opinião que se tenha de Mário Soares sobre a sua longa e variada vida política, cheia de peripécias, mais do que de acções relevantes na história recente de Portugal, com excepção da sua decisiva intervenção no período revolucionário de 1974-75, em que intuiu a opção política correcta no turbilhão que se vivia, não se compreende por que há-de este homem saturado de honrarias nacionais e estrangeiras voltar a quebrar a sua palavra, aos 80 anos, sobretudo quando o País não sente a necessidade da sua presença no cargo em disputa.
Lá esteve dez bem vividos anos, os cinco últimos, no entanto, em obsessiva guerrilha institucional contra um Governo legítimo, de maioria absoluta, a quem devia cooperação e lealdade, se o não achasse nocivo para as Instituições. Se tal o achava, deveria, em consequência, tê-lo destituído, com frontalidade política, assumindo as responsabilidades inerentes ao juízo e à decisão.
Acresce, todavia, que, na sua reeleição, Soares havia até contado com o apoio do Partido do Governo, o PSD, num memorável e absurdo exercício cívico deste último, que espuriamente conjugou a hipocrisia de alguns dos seus mais destacados dirigentes, com a enorme cobardia política de muitos dos seus apoiantes.
O resultado seria, como se viu, uma ilusão de vitória política, retribuída pelo beneficiado com uma intensa acção de desgaste do Governo, em numerosas e animadas romarias pelo País, a que a habilidade matreira de Soares chamou Presidências Abertas, gizadas com o estudado propósito de estimular a crítica nascente de certo descontentamento popular com aspectos contestáveis e alguns mesmo insensatos da governação de Cavaco Silva.
E, como se tal não bastasse, inventou ainda, Soares Presidente, decepcionado com a falta de vigor da oposição de Guterres, uma «relevante iniciativa» de imaginado ardor patriótico, intitulada «Portugal e o Futuro».
Nela se deveriam espraiar pressurosos intelectuais, da vasta família soarista, em copiosas críticas ao Governo, então acusado de se ter tornado numa espécie de Ditadura da Maioria, de geração democrática embora.
Pese toda a denunciada actuação de Soares Presidente, a inépcia política do PSD não logrou dar-lhe combate adequado. Na altura, a mentalidade reinante no PSD era a da exaltação da gestão e da construção de infra-estruturas viárias, necessárias, sem dúvida, mas não essenciais, nem tão prioritárias como apregoado, como agora bem se vê e de forma quase consensual.
É a esta lembrada inépcia política, do PSD e de Cavaco Silva, que se deve imputar grande parte da responsabilidade do superveniente regabofe guterrista. A forma insensata como aqueles orientaram politicamente o País, no seu segundo governo de maioria, abriu o caminho ao melífluo cântico de Guterres.
Foi, como sabemos, pela mão de Cavaco Silva que chegaram à Política muitas figuras impreparadas, a tal falsa moeda, com presumidas capacidades técnicas de gestão de negócios, empoladas no geral, ao mesmo tempo que desprovidas de convicções e referências, culturais ou outras, e de fundo moral mais que duvidoso.
Muitas delas rapidamente se afastaram da cena política, bem recompensadas na alta roda da Gestão, sobraçando apetecidos lugares nas Administrações de Empresas Públicas e Privadas, algumas destas vivendo de largos compromissos com o Estado, em ambiente de indecorosa promiscuidade.
Episodicamente, à Política retornam, sempre para desempenharem cargos importantes, a que se seguem novas nomeações para honoríficas missões, opiparamente remuneradas, constituindo-se em autêntico escol socio-económico, à revelia da estagnação e até de algum empobrecimento do restante país, que, atónito, os vê continuamente a prosperar.
Simultaneamente, na proporção do seu progressivo e cumulativo bem-estar socio-económico, estas putativas sumidades vão recomendando sacrifícios, cortes e dietas para os demais cidadãos, em vista de um futuro melhor que estes nunca vêem chegar.
Nisto se tem traduzido a vida portuguesa dos último decénio e meio,sobretudo, dominada pelo acomodado político bloco central, pontualmente reforçado pelos Conservadores, famílias políticas que há trinta anos dirigem alternadamente o País, com os resultados que já ninguém consegue esconder.
Foi também Cavaco Silva quem caucionou a entrada de Barroso para a Presidência do PSD, tendo assistido calado, sem uma crítica, ao rumo de incompetência com que aquele conduziu o seu medíocre Governo, de que airosamente se demitiu, para uma prebenda internacional, deixando o País entregue à leviandade de Santana Lopes, que proporcionou, por seu turno, a fulgurante ascensão de nova ilusão, agora envolta de ilustre nome helénico.
É bom que se atente nisto, para não se criarem expectativas exageradas com a hipotética eleição presidencial de Cavaco Silva.
Convém acrescentar ao panorama traçado que, com responsabilidade atenuada, neste período mais recente da vida nacional, estão os Comunistas e a Extrema-Esquerda, esta em grande parte reagrupada na actual formação bloquista. O seu momento de glória foi, como se sabe, o breve mas alucinado período revolucionário de 74-75, com graves danos causados principalmente no Sistema de Ensino e no tecido económico do País, alguns com efeitos ainda visíveis e operantes na presente conjuntura.
É por este quadro sombrio que a nossa situação, como país ainda soberano, com uma economia capaz de sustentar essa condição, se define como muito crítica, à beira do descalabro.
Quantos mais governos incompetentes de meia legislatura iremos suportar ?
Por aqui também se deve avaliar a importância da próxima eleição presidencial.
No entanto, para dar um sentido prático à nossa remanescente esperança, cumpre reconhecer que, no estado actual do País, novamente em depressão económica, política e cultural, Cavaco Silva acabará por ser a escolha mais acertada, pela sua formação técnica, pela sua competência profissional e pela honestidade e sobriedade com que exerce os cargos públicos.
Soares é quase o reverso de tudo isto, com a agravante de alimentar sempre numerosa corte de incondicionais, que ocupa o Estado como se este de sua coutada natural se tratasse.
Soares, além do mais, havia-nos, várias vezes, solenemente, prometido que, depois de 10 anos de Presidente da República, não voltaria à política activa, mas apenas pretenderia aproveitar o tempo para ler, reflectir e escrever, supunha-se, as suas memórias, na verdade, a coisa mais razoável que poderia fazer, para o País e para si mesmo.
Pela rica experiência de vida que terá acumulado, pelo convívio que manteve com tanta gente influente no mundo, seria natural que nos quisesse transmitir o seu testemunho dos factos e das personalidades que conheceu. Desse relato reflectido, todos certamente lhe ficaríamos agradecidos.
Afinal, em vez disso, já nos surpreendeu com uma corrida para Deputado ao Parlamento Europeu, na presunção, instigada por alguns dos seus mais exacerbados acólitos, de se tornar dele Presidente, coisa que acabou por não acontecer e que, por despeito, o levou a proferir a grosseira deselegância sobre a sua concorrente ao cargo, Nicole Fontaine, relegada por Mário Soares a uma limitada condição de política de dona-de-casa, por um acaso da sorte, eleita Presidente de tão insigne instituição.
Para um ilustre democrata, laico, republicano e socialista, supostamente partidário das teses da Libertação da Mulher, o remoque, repassado de mau perder, seria de deixar toda a gente em completo estupor.
Estranhamente, porém, por cá, a Comunicação Social, sua permanente seduzida e constante aliada, compreensiva, pouco comentou o dito e rapida e convenientemente o esqueceu.
Tivesse sido outro o autor da grosseria, por exemplo, Cavaco Silva, e ainda hoje ela seria profusamente comentada em variados órgãos da Comunicação Social com exaltada dose de indignação.
De resto, a complacência da Comunicação Social para com Mário Soares processa-se numa prática continuada, como já havia sucedido com o caso do livro de Rui Mateus «Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido», que a Dom Quixote editou, em Janeiro de 1996, apesar das pressões sofridas, como há tempo revelou o seu antigo director, Nelson de Matos, numa entrevista ao Expresso.
De então para cá, o livro, esgotado, não mais foi reeditado, apesar do interesse do tema, nem mesmo depois de a D. Quixote ter passado para as mãos de um grupo editorial espanhol.
Do autor do livro, também nunca mais se ouviu falar. Será vivo ? Arrependeu-se do que fez ? Perdeu qualidades intelectuais para explicar o que lhe aconteceu ?
Eis um curioso mistério ainda por desvendar ou sequer por investigar, pela nossa livre e pluralista Comunicação Social.
Do mesmo passo, haveria igualmente que indagar por que não se reedita o «Portugal Amordaçado» de Mário Soares, há tantos anos esgotado.
Apenas menciono estes pormenores por me parecer esquisito o silêncio que sobre eles pesadamente caiu, na nossa normalmente agitada Comunicação Social, muitas vezes depauperada de assuntos de verdadeiro interesse político.
Parece erguer-se ante eles um interdito inaceitável em qualquer regime democrático. Mas pode ser que com a súbita reaparição política de Soares tais temas voltem a debate.
Ei-lo assim, Mário Soares, por conseguinte, regressado à ribalta política, a desdobrar-se em contactos, à espera da tal vaga de fundo, nacional, reclamando a sua presença, durante mais 5 ou 10 anos na Presidência, talvez, quem sabe, a título vitalício a honraria não lhe assentasse mal...
Ora, que novidade terá hoje Mário Soares para oferecer aos Portugueses ?
O socialismo democrático reformulado, finalmente desengavetado?
A irrequieta militância anti-americana, disfarçada de anti-Bush, ao lado dos que, nas manifestações internacionais unitárias, empunhando cartazes, gritam «Bush igual a Hitler»?
A eventual preparação de uma alternativa mais socialista à liderança de Sócrates?
A promoção de um Governo do Partido Socialista mais aguerrido, com personalidades soaristas, ante a iminência de um desacreditado Sócrates?
Qualquer das eventualidades admitidas criará perturbação bastante e, em especial, para o PS de José Sócrates.
Entretanto, subsistem algumas tarefas úteis que Mário Soares ainda poderia desempenhar para nosso benefício. Escrever as suas memórias seria certamente uma delas e nada despicienda.
O País vê-se assim confrontado com uma escolha que pouco entusiasmo suscita. Parece sintomático do estado depressivo a que chegámos que nenhuma nova figura política haja surgido do anonimato, nos últimos dois ou três lustros, capaz de captar o interesse real dos portugueses.
O vazio que presenciamos dá-nos a medida do nosso descontentamento, ao fim de trinta anos de reencontrado regime democrático.
A actual encruzilhada política em que nos encontramos, sem alternativas que nos entusiasmem, nem quanto ao Governo, nem quanto à Presidência, deixa-nos outra vez perplexos.
Mais de cem anos depois dos espíritos brilhantes da Geração de 70, que, no final do século XIX, ambicionaram arrancar o País do seu crónico atraso, a situação de desânimo parece repetir-se.
Assim como eles, ao cabo de anos de persistente luta, se viram conformados com a realidade insuperada, indiferente aos seus patrióticos e porfiados esforços, apesar de toda a sua energia e inventividade, nos vamos achando nós, os portugueses comuns de hoje, quase sob o mesmo estado de espírito, procurando, no nosso mais íntimo ser, a reserva suplementar de vontade e de crença para prosseguir a empresa a que um dia confiadamente nos entregámos.
Os costumados pretextos para os nossos fracassos colectivos encontram-se esgotados.
Já não são a Inquisição castradora, nem a Monarquia corrupta e obsoleta, nem a República anárquica do primeiro quartel do século XX, nem a Ditadura de Salazar e Caetano, nem a Guerra de África, que nos impedem de progredir, como Povo, como Nação e como Estado.
Recebemos todos, os actuais portugueses, um comum património, um País, atrasado embora, mas uma entidade viva, com História, com Soberania, com personalidade própria.
Cumpre-nos, em primeiro lugar, honrar esse Património, em seguida melhorá-lo, sem mais subterfúgios inventados.
O tempo urge, para operar uma imperiosa regeneração da sociedade portuguesa.
Labor omnia vincit / O trabalho tudo conquista ou assim nos convém acreditar
Spes ultima dea / A esperança é a última deusa
AV_Óbidos, 18 de Agosto de 2005
Tido como animal político, por excelência, dirão alguns que foi esta sua funda natureza que o moveu a apresentar-se de novo a candidato à função presidencial. Alvitrarão outros que tal se deverá antes à força de impacientes grupos de interesses da vasta família soarista desejosa de regressar à ribalta política.
Estes factores aliados à conhecida narcísica vaidade de Soares terão certamente ditado a despropositada candidatura, dado que não se vislumbra nenhum movimento social no País que o queira fazer outra vez Presidente da República.
Seja qual for a opinião que se tenha de Mário Soares sobre a sua longa e variada vida política, cheia de peripécias, mais do que de acções relevantes na história recente de Portugal, com excepção da sua decisiva intervenção no período revolucionário de 1974-75, em que intuiu a opção política correcta no turbilhão que se vivia, não se compreende por que há-de este homem saturado de honrarias nacionais e estrangeiras voltar a quebrar a sua palavra, aos 80 anos, sobretudo quando o País não sente a necessidade da sua presença no cargo em disputa.
Lá esteve dez bem vividos anos, os cinco últimos, no entanto, em obsessiva guerrilha institucional contra um Governo legítimo, de maioria absoluta, a quem devia cooperação e lealdade, se o não achasse nocivo para as Instituições. Se tal o achava, deveria, em consequência, tê-lo destituído, com frontalidade política, assumindo as responsabilidades inerentes ao juízo e à decisão.
Acresce, todavia, que, na sua reeleição, Soares havia até contado com o apoio do Partido do Governo, o PSD, num memorável e absurdo exercício cívico deste último, que espuriamente conjugou a hipocrisia de alguns dos seus mais destacados dirigentes, com a enorme cobardia política de muitos dos seus apoiantes.
O resultado seria, como se viu, uma ilusão de vitória política, retribuída pelo beneficiado com uma intensa acção de desgaste do Governo, em numerosas e animadas romarias pelo País, a que a habilidade matreira de Soares chamou Presidências Abertas, gizadas com o estudado propósito de estimular a crítica nascente de certo descontentamento popular com aspectos contestáveis e alguns mesmo insensatos da governação de Cavaco Silva.
E, como se tal não bastasse, inventou ainda, Soares Presidente, decepcionado com a falta de vigor da oposição de Guterres, uma «relevante iniciativa» de imaginado ardor patriótico, intitulada «Portugal e o Futuro».
Nela se deveriam espraiar pressurosos intelectuais, da vasta família soarista, em copiosas críticas ao Governo, então acusado de se ter tornado numa espécie de Ditadura da Maioria, de geração democrática embora.
Pese toda a denunciada actuação de Soares Presidente, a inépcia política do PSD não logrou dar-lhe combate adequado. Na altura, a mentalidade reinante no PSD era a da exaltação da gestão e da construção de infra-estruturas viárias, necessárias, sem dúvida, mas não essenciais, nem tão prioritárias como apregoado, como agora bem se vê e de forma quase consensual.
É a esta lembrada inépcia política, do PSD e de Cavaco Silva, que se deve imputar grande parte da responsabilidade do superveniente regabofe guterrista. A forma insensata como aqueles orientaram politicamente o País, no seu segundo governo de maioria, abriu o caminho ao melífluo cântico de Guterres.
Foi, como sabemos, pela mão de Cavaco Silva que chegaram à Política muitas figuras impreparadas, a tal falsa moeda, com presumidas capacidades técnicas de gestão de negócios, empoladas no geral, ao mesmo tempo que desprovidas de convicções e referências, culturais ou outras, e de fundo moral mais que duvidoso.
Muitas delas rapidamente se afastaram da cena política, bem recompensadas na alta roda da Gestão, sobraçando apetecidos lugares nas Administrações de Empresas Públicas e Privadas, algumas destas vivendo de largos compromissos com o Estado, em ambiente de indecorosa promiscuidade.
Episodicamente, à Política retornam, sempre para desempenharem cargos importantes, a que se seguem novas nomeações para honoríficas missões, opiparamente remuneradas, constituindo-se em autêntico escol socio-económico, à revelia da estagnação e até de algum empobrecimento do restante país, que, atónito, os vê continuamente a prosperar.
Simultaneamente, na proporção do seu progressivo e cumulativo bem-estar socio-económico, estas putativas sumidades vão recomendando sacrifícios, cortes e dietas para os demais cidadãos, em vista de um futuro melhor que estes nunca vêem chegar.
Nisto se tem traduzido a vida portuguesa dos último decénio e meio,sobretudo, dominada pelo acomodado político bloco central, pontualmente reforçado pelos Conservadores, famílias políticas que há trinta anos dirigem alternadamente o País, com os resultados que já ninguém consegue esconder.
Foi também Cavaco Silva quem caucionou a entrada de Barroso para a Presidência do PSD, tendo assistido calado, sem uma crítica, ao rumo de incompetência com que aquele conduziu o seu medíocre Governo, de que airosamente se demitiu, para uma prebenda internacional, deixando o País entregue à leviandade de Santana Lopes, que proporcionou, por seu turno, a fulgurante ascensão de nova ilusão, agora envolta de ilustre nome helénico.
É bom que se atente nisto, para não se criarem expectativas exageradas com a hipotética eleição presidencial de Cavaco Silva.
Convém acrescentar ao panorama traçado que, com responsabilidade atenuada, neste período mais recente da vida nacional, estão os Comunistas e a Extrema-Esquerda, esta em grande parte reagrupada na actual formação bloquista. O seu momento de glória foi, como se sabe, o breve mas alucinado período revolucionário de 74-75, com graves danos causados principalmente no Sistema de Ensino e no tecido económico do País, alguns com efeitos ainda visíveis e operantes na presente conjuntura.
É por este quadro sombrio que a nossa situação, como país ainda soberano, com uma economia capaz de sustentar essa condição, se define como muito crítica, à beira do descalabro.
Quantos mais governos incompetentes de meia legislatura iremos suportar ?
Por aqui também se deve avaliar a importância da próxima eleição presidencial.
No entanto, para dar um sentido prático à nossa remanescente esperança, cumpre reconhecer que, no estado actual do País, novamente em depressão económica, política e cultural, Cavaco Silva acabará por ser a escolha mais acertada, pela sua formação técnica, pela sua competência profissional e pela honestidade e sobriedade com que exerce os cargos públicos.
Soares é quase o reverso de tudo isto, com a agravante de alimentar sempre numerosa corte de incondicionais, que ocupa o Estado como se este de sua coutada natural se tratasse.
Soares, além do mais, havia-nos, várias vezes, solenemente, prometido que, depois de 10 anos de Presidente da República, não voltaria à política activa, mas apenas pretenderia aproveitar o tempo para ler, reflectir e escrever, supunha-se, as suas memórias, na verdade, a coisa mais razoável que poderia fazer, para o País e para si mesmo.
Pela rica experiência de vida que terá acumulado, pelo convívio que manteve com tanta gente influente no mundo, seria natural que nos quisesse transmitir o seu testemunho dos factos e das personalidades que conheceu. Desse relato reflectido, todos certamente lhe ficaríamos agradecidos.
Afinal, em vez disso, já nos surpreendeu com uma corrida para Deputado ao Parlamento Europeu, na presunção, instigada por alguns dos seus mais exacerbados acólitos, de se tornar dele Presidente, coisa que acabou por não acontecer e que, por despeito, o levou a proferir a grosseira deselegância sobre a sua concorrente ao cargo, Nicole Fontaine, relegada por Mário Soares a uma limitada condição de política de dona-de-casa, por um acaso da sorte, eleita Presidente de tão insigne instituição.
Para um ilustre democrata, laico, republicano e socialista, supostamente partidário das teses da Libertação da Mulher, o remoque, repassado de mau perder, seria de deixar toda a gente em completo estupor.
Estranhamente, porém, por cá, a Comunicação Social, sua permanente seduzida e constante aliada, compreensiva, pouco comentou o dito e rapida e convenientemente o esqueceu.
Tivesse sido outro o autor da grosseria, por exemplo, Cavaco Silva, e ainda hoje ela seria profusamente comentada em variados órgãos da Comunicação Social com exaltada dose de indignação.
De resto, a complacência da Comunicação Social para com Mário Soares processa-se numa prática continuada, como já havia sucedido com o caso do livro de Rui Mateus «Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido», que a Dom Quixote editou, em Janeiro de 1996, apesar das pressões sofridas, como há tempo revelou o seu antigo director, Nelson de Matos, numa entrevista ao Expresso.
De então para cá, o livro, esgotado, não mais foi reeditado, apesar do interesse do tema, nem mesmo depois de a D. Quixote ter passado para as mãos de um grupo editorial espanhol.
Do autor do livro, também nunca mais se ouviu falar. Será vivo ? Arrependeu-se do que fez ? Perdeu qualidades intelectuais para explicar o que lhe aconteceu ?
Eis um curioso mistério ainda por desvendar ou sequer por investigar, pela nossa livre e pluralista Comunicação Social.
Do mesmo passo, haveria igualmente que indagar por que não se reedita o «Portugal Amordaçado» de Mário Soares, há tantos anos esgotado.
Apenas menciono estes pormenores por me parecer esquisito o silêncio que sobre eles pesadamente caiu, na nossa normalmente agitada Comunicação Social, muitas vezes depauperada de assuntos de verdadeiro interesse político.
Parece erguer-se ante eles um interdito inaceitável em qualquer regime democrático. Mas pode ser que com a súbita reaparição política de Soares tais temas voltem a debate.
Ei-lo assim, Mário Soares, por conseguinte, regressado à ribalta política, a desdobrar-se em contactos, à espera da tal vaga de fundo, nacional, reclamando a sua presença, durante mais 5 ou 10 anos na Presidência, talvez, quem sabe, a título vitalício a honraria não lhe assentasse mal...
Ora, que novidade terá hoje Mário Soares para oferecer aos Portugueses ?
O socialismo democrático reformulado, finalmente desengavetado?
A irrequieta militância anti-americana, disfarçada de anti-Bush, ao lado dos que, nas manifestações internacionais unitárias, empunhando cartazes, gritam «Bush igual a Hitler»?
A eventual preparação de uma alternativa mais socialista à liderança de Sócrates?
A promoção de um Governo do Partido Socialista mais aguerrido, com personalidades soaristas, ante a iminência de um desacreditado Sócrates?
Qualquer das eventualidades admitidas criará perturbação bastante e, em especial, para o PS de José Sócrates.
Entretanto, subsistem algumas tarefas úteis que Mário Soares ainda poderia desempenhar para nosso benefício. Escrever as suas memórias seria certamente uma delas e nada despicienda.
O País vê-se assim confrontado com uma escolha que pouco entusiasmo suscita. Parece sintomático do estado depressivo a que chegámos que nenhuma nova figura política haja surgido do anonimato, nos últimos dois ou três lustros, capaz de captar o interesse real dos portugueses.
O vazio que presenciamos dá-nos a medida do nosso descontentamento, ao fim de trinta anos de reencontrado regime democrático.
A actual encruzilhada política em que nos encontramos, sem alternativas que nos entusiasmem, nem quanto ao Governo, nem quanto à Presidência, deixa-nos outra vez perplexos.
Mais de cem anos depois dos espíritos brilhantes da Geração de 70, que, no final do século XIX, ambicionaram arrancar o País do seu crónico atraso, a situação de desânimo parece repetir-se.
Assim como eles, ao cabo de anos de persistente luta, se viram conformados com a realidade insuperada, indiferente aos seus patrióticos e porfiados esforços, apesar de toda a sua energia e inventividade, nos vamos achando nós, os portugueses comuns de hoje, quase sob o mesmo estado de espírito, procurando, no nosso mais íntimo ser, a reserva suplementar de vontade e de crença para prosseguir a empresa a que um dia confiadamente nos entregámos.
Os costumados pretextos para os nossos fracassos colectivos encontram-se esgotados.
Já não são a Inquisição castradora, nem a Monarquia corrupta e obsoleta, nem a República anárquica do primeiro quartel do século XX, nem a Ditadura de Salazar e Caetano, nem a Guerra de África, que nos impedem de progredir, como Povo, como Nação e como Estado.
Recebemos todos, os actuais portugueses, um comum património, um País, atrasado embora, mas uma entidade viva, com História, com Soberania, com personalidade própria.
Cumpre-nos, em primeiro lugar, honrar esse Património, em seguida melhorá-lo, sem mais subterfúgios inventados.
O tempo urge, para operar uma imperiosa regeneração da sociedade portuguesa.
Labor omnia vincit / O trabalho tudo conquista ou assim nos convém acreditar
Spes ultima dea / A esperança é a última deusa
AV_Óbidos, 18 de Agosto de 2005
13.8.05
Paradoxos do Nosso Tempo
Passou quase despercebida a morte de José Pedro Machado na chamada grande imprensa nacional. Que eu tenha notado, apenas o Público, com uma pequena coluna, contendo várias inexactidões e a Capital, numa curta, mas bem elaborada crónica de Appio Sottomayor, deram relevo ao desaparecimento desta ilustre figura da cultura portuguesa.
Dado o ambiente predominante na media portuguesa, isto não surpreende. Praticamente, só as personalidades que frequentam com assiduidade as Televisões colhem o interesse do público e correspondentemente o da Comunicação Social.
Na era mediática que vivemos, a futilidade televisiva impõe um gosto reles que vicia o público, o povo eleitor.
Contra esta realidade, torna-se extraordinariamente difícil lutar, agravando-se assim a tendência mediocrisante da informação.
Com este quadro em mente, cumpre todavia continuar a remar contra a maré, na esperança de que algum efeito se produza, com tal perseverança.
Ainda está por avaliar a vastidão da nocividade das Televisões actuais nas consciências populares, em particular, nas dos mais jovens, porque mais vulneráveis, menos apetrechadas para resistir ao efeito deformador de tão nefastos programas, na sua maioria, que tantos canais consumidos sem critério forçosamente hão-de nelas originar, com repercussão duradoura no seu carácter em formação.
Em Portugal, a influência nociva da TV é especialmente grave, por coexistir com um Sistema de Ensino degradado, atingindo profundamente a nossa, neste aspecto, indefesa juventude.
Bem sei que há milhentos canais, há a boa programação da BBC, com um largo espectro educativo disponível, mas isto é apenas um oásis na enxurrada de idiotice predominantemente debitada, que acaba por submergir uma imensa maioria de espectadores.
Está aqui um dos grandes paradoxos da nossa civilização : no momento em que ela dispõe da maior panóplia de recursos alguma vez sequer sonhados para promover a ciência e a cultura da Humanidade, é que ela mesma produz uma alienação sem precedentes, num aparente clima de total liberdade.
Dir-se-á que a culpa residirá nos cidadãos, que fazem mau uso de tanto recurso posto à sua disposição, mas tal facto não deixa de constituir um lamentável paradoxo civilizacional.
Como se processa este fenómeno e como se poderá invertê-lo, eis a grande questão por resolver.
AV_Óbidos, 13 de Agosto de 2005
Dado o ambiente predominante na media portuguesa, isto não surpreende. Praticamente, só as personalidades que frequentam com assiduidade as Televisões colhem o interesse do público e correspondentemente o da Comunicação Social.
Na era mediática que vivemos, a futilidade televisiva impõe um gosto reles que vicia o público, o povo eleitor.
Contra esta realidade, torna-se extraordinariamente difícil lutar, agravando-se assim a tendência mediocrisante da informação.
Com este quadro em mente, cumpre todavia continuar a remar contra a maré, na esperança de que algum efeito se produza, com tal perseverança.
Ainda está por avaliar a vastidão da nocividade das Televisões actuais nas consciências populares, em particular, nas dos mais jovens, porque mais vulneráveis, menos apetrechadas para resistir ao efeito deformador de tão nefastos programas, na sua maioria, que tantos canais consumidos sem critério forçosamente hão-de nelas originar, com repercussão duradoura no seu carácter em formação.
Em Portugal, a influência nociva da TV é especialmente grave, por coexistir com um Sistema de Ensino degradado, atingindo profundamente a nossa, neste aspecto, indefesa juventude.
Bem sei que há milhentos canais, há a boa programação da BBC, com um largo espectro educativo disponível, mas isto é apenas um oásis na enxurrada de idiotice predominantemente debitada, que acaba por submergir uma imensa maioria de espectadores.
Está aqui um dos grandes paradoxos da nossa civilização : no momento em que ela dispõe da maior panóplia de recursos alguma vez sequer sonhados para promover a ciência e a cultura da Humanidade, é que ela mesma produz uma alienação sem precedentes, num aparente clima de total liberdade.
Dir-se-á que a culpa residirá nos cidadãos, que fazem mau uso de tanto recurso posto à sua disposição, mas tal facto não deixa de constituir um lamentável paradoxo civilizacional.
Como se processa este fenómeno e como se poderá invertê-lo, eis a grande questão por resolver.
AV_Óbidos, 13 de Agosto de 2005